16 de abril de 2007

Aleph: Símbolo do Ser, em seu aspecto Essencial e Existencial

O símbolo é um elemento essencial para expressar o pensamento mítico-religioso, que é o pensamento existencial mediado por meio da fé. No entanto, não deixa de ter valor significativo para expressar, também, o pensamento lógico-racional-filosófico. É instrumento valioso para expressar, de modo simples e sintético, um determinado conceito complexo e de difícil compreensão. E pode-se dizer que encontrar um símbolo adequado à um conceito, constitui-se uma verdadeira arte. Na busca por um símbolo que expresse bem meu pensamento filosófico, encontrei um perfeito, a letra hebraica Aleph (alef). Mas, antes de explicar o significado simbólico desta letra com meu pensamento, é mister contextualizar historicamente o significado místico-religioso deste símbolo dentro da tradição judaica-cristã.

O alfabeto hebraico não é apenas um conjunto de letras de um sistema lingüístico, é também, uma fonte de ricos significados simbólicos. Este alfabeto contém somente consoantes. Os sinais vocálicos não são representados, embora os massoretas tenham criado um sistema de pontuação para sinalizar a vocalização das palavras, chamados de sinais massoréticos. O hebraico foi o idioma em que foi escrito o Velho Testamento Cristão, que corresponde à Torah do Judaísmo. É composto por 22 letras e cada uma delas têm vários significados simbólicos de natureza mítica-religiosa na tradição mística judaico-cristã. Quem mais explorou o significado destas letras foi a Cabala, seita esotérica, que existe tanto em versão judaica como cristã.

O alfabeto hebraico pertence a uma língua muito antiga, e por isto suas letras foram primordialmente grafadas por figuras gráficas associadas com objetos concretos. Com o passar do tempo as letras foram tomando formas próprias e assumindo um significado mais abstrato e particularmente fonético, em suas versões modernas.

Pois bem, Aleph é a primeira letra do alfabeto. Esta letra não tem som, e é usada para sinalizar a presença de uma vocalização sem consoante, visto que não há letras para os sons vocálicos, no hebraico. Primordialmente aleph era grafada com o desenho da cabeça de um touro, significando "força", "poder" ou "liderança". Muitas palavras hebraicas podem ser bem compreendidas semanticamente à luz do estudo pictográfico. Um exemplo, de como aleph tem um significado concreto associado à suas primeiras formas, é a famosa palavra "Aba" que significa "Pai", que em hebraico é formada pelas letras "aleph" e "bêt" (transliterada pela letra "b"). Esta última era grafada de modo pictográfico como uma figura de uma tenda, ou seja, de uma casa. O significado então de "Aba" à luz da pictografia é "cabeça da casa" ou "chefe do lar". A grafia desta letra passou por várias evoluções. As grafias, da primeira letra do alfabeto grego (alfa) e do latino e do numeral um (1), têm suas origens em uma das formas de Aleph.



Porém, além do sentido pictográfico do alfabeto hebraico, existe o significado mítico-religioso, associado à forma moderna do alfabeto. Neste último sentido, Aleph recebeu significados ricos de conteúdo religioso. E neste sentido, para entender o significado da letra aleph, primeiramente é necessário entender a constituição e forma moderna em que a letra é grafada. Aleph é uma das três letras mães, formada por pela combinação de duas outras letras simples do alfabeto. É, portanto, formado por um vav em diagonal (sexta letra do alfabeto, cujo sinal pictográfico é um tipo de gancho ou "clipe" para ligar as coisas) e por dois yod (décima letra do alfabeto - cujo sinal pictográfico é um braço com uma mão), um superior e outro inferior ao vav. Na gramática hebraica o vav funciona, também, como conjunção de inclusão, a conjunção "e". Na literatura cabalística o vav conceitua "o poder de conectar e correlacionar todos os elementos dentro da Criação". Já o yod é uma pequena letra, presente de certa forma na grafia de todas as outras letras do hebraico moderno, e por isto é considerada a base de todas elas.

Qual o significado do arranjo destas letras? Bom com o yod superior significa-se o aspecto escondido de Javé e com o yod inferior, a sua revelação à humanidade. O traço diagonal que é um vav (letra que é uma conjunção em hebraico) funciona como ligação entre as duas realidades: a realidade divina oculta e a realidade divina revelada ao homem. Embora, o segmento religioso que mais explora estes significados são as seitas esotéricas da Cabala, pode-se dizer que do ponto de vista Teísta Monoteísta Judaico-Cristão, o vav diagonal seria a ligação entre a realidade transcendental de Deus e a realidade imanente de Deus.



A guematria, estudo dos significados numéricos das letras do alfabeto hebraico, atribui ao Aleph o número um, e portanto, esta letra indica a Singularidade Divina, idéia monoteísta de um único Deus. Este significado é reforçado, pois a soma dos valores numéricos das letras que compõem Aleph é 26, pois um yod vale dez e um vav, seis, como são dois yods, então, a soma total é 26, o mesmo valor numérico do tetragrama sagrado judeu, formado pelas letras yod, hey, vav, hey, que transliterado fica YHVH (cf. Êxodo 3:14-15), donde deriva o nome Javé, que em grego é traduzido por Theos, Deus. A guematria, então indica a ligação entre a letra Aleph e o Deus em Si Mesmo.



Aleph, não tem som, é uma letra silenciosa. Por isto existe uma fábula que explica porque Aleph não foi escolhida a primeira letra da Torah. Na estória, todas as letras se apresentam, diante de Deus, para dar razões do porque deveriam ser a primeira letra, exceto a letra Aleph. Quando o Senhor perguntou o porque disto, Aleph explicou a razão de ter ficado em silêncio: ela não tinha nada a dizer. Mas o Senhor honrou a humildade de Aleph e designou-a como a primeira de todas as letras, sendo a primeira do alfabeto. E, também, a honrou como a letra da primeira palavra dos Dez Mandamentos.

O Rabi Dov Ber explica as primeiras palavras da Torah: "Bereschit Bara Elohim Et" (No princípio Deus Criou "et") conforme Gênesis 1:1. Gramaticalmente, a palavra "et" é intraduzível e é usada para indicar que a próxima palavra é um objeto direto definido, que portanto, no texto liga a ação criadora de Deus tanto dos céus como da terra. Mas, Dov Ber aponta para um significado simbólico no relato da criação, explicando o porque desta palavra "et", que é formada por um aleph e um tav, que são respectivamente a primeira e a última letra do alfabeto hebraico, e por esta razão é sinônimo de todo o alfabeto. Então, o Rabino argumenta que no princípio Deus criou o Alfabeto, antes dos céus e da terra. As letras são consideradas como os blocos de construção primordiais de toda a criação. Outro rabino, Shneur Zalman, afirmou que se as letras deixarem de existir por um instante, toda a criação tornaria absolutamente insignificante. Percebe-se que para os judeus as palavras tinham um significado muito importante. O texto cristão de João 1 relaciona a criação com a Palavra, que é Cristo, o Verbo de Deus.

Aleph é, também, interpretada como uma figura messiânica, pois é composta tanto de uma realidade superior celestial, como de uma realidade inferior terrena, ligadas pela humildade de um corpo. Aleph é a figura da Unidade do Deus-Homem que é o Messias ou Cristo. Do ponto de vista messiânico, Aleph representa Yeshua, o Messias, intercessor da humanidade. Os dois Yods representam os braços abertos estendidos alcançando tanto a humanidade quanto a Deus.

As seitas esotéricas do tipo cabalístico atribuem vários outros significados ao Aleph e demais letras do alfabeto hebraico. Uma curiosidade é que esta letra, Aleph, foi reinterpretada por Georg Cantor, um matemático famoso, criador da teoria dos números transfinitos, que influenciado por todo o mistério místico religioso judaico desta letra, atribui um novo significado, usando a mesma para representar o número que corresponde à soma de todos os números inteiros positivos, que por sinal é uma grandeza infinita.

Por tudo isto, julguei Aleph um símbolo ideal para expressar de modo sintético meu pensamento ontológico-filosófico. Minha ontologia considera o Ser, como Uno e Eterno. Ser de modo geral representa a Realidade Total. Faço distinção de duas esferas no Ser: a Essência, esfera da idealidade imaterial atemporal (eterna) e a Existência, esfera da realidade material temporal. O todo real é uma combinação entre idealidade e realidade, ou seja, essência e existência. Porém, a síntese destas duas esferas é feita no Eu Penso Transcendental que por meio da sensibilidade apreende a existência e por meio do entendimento apreende a essência. Como o Ser é Eterno, pois é impossível que o Ser Absoluto tivesse sua origem no Não-Ser absoluto, então todos os entes temporais, existem essencialmente de modo eterno no Ser, como possibilidades ideais.



Pretendo esclarecer com mais clareza o significado destes termos: Ser, Essência, Existência e Eu Penso. Utilizo-me como base conceitual a terminologia de Descartes, John Lock, Kant e Sartre conforme o uso que faz destes termos em suas obras. Porém, muito importante, também é o pensamento de Kierkegaard que distingue a realidade da idealidade e a relação destas duas esferas do Ser na consciência humana. Para Kierkegaard, o homem é "síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade." O homem é uma síntese e portanto é a relação entre dois termos. Esquema este que pode ser, perfeitamente, adaptado dentro da simbologia de Aleph.

Concluindo, Aleph é o símbolo que expressa o meu atual pensamento ontológico-filosófico. Porém, é apenas um símbolo, nada mais do que isto. Enfim, não tem o poder mágico atribuído pelas seitas esotéricas de cunho cabalístico. No mais, com o tempo irei aperfeiçoando minha análise e explicitando melhor minhas idéias.

Constantin Constantius!

Goiânia