14 de dezembro de 2006

Realidade e Idealidade


Tomei uma decisão, que é claro, pode ser revogada. Decidi que minha principal tarefa filosófica será distinguir entre o real e o ideal. Distinção esta que não pode ser afetada por qualquer cosmovisão que seja: monista, dualista ou pluralista, ou por um posicionamento epistemológico dogmático ou idealista. Indepentemente de tudo isto, é claro, que o entendimento humano faz distinção entre duas esferas de ser, uma real e outra abstrata. A primeira está a princípio ligada à afetividade, apreendida pela intuição sensível. A segunda está ligada à atividade reflexiva da consciência no âmbito do entendimento, onde operam as leis formais do pensamento, mas de qualquer forma pode ser considerada como uma intuição intelectual.

Distinguir o ideal do real, eis minha tarefa. Identificar o que faz parte de um e de outro. Sabendo que o homem tem consciência destas duas esferas do ser, uma outra tarefa da minha atividade reflexiva será então analisar a relação entre estas duas esferas. Visto que não posso, enquanto consciência pensar as duas como esferas autônomas. Nem tampouco posso pensá-las como idênticas. Como minha reflexão é atividade do entendimento, não posso deixar de investigar a razão suficiente da passagem do ideal para o real e do real para o ideal.

A pertinência desta tarefa é que o real e o ideal são duas categorias chaves para entender a atividade humana, visto que o homem é consciência em atividade. Esta atividade chamo de existência temporal, em que o homem não é livre para não agir. Porém, seu agir pressupõe a consciência do ser e do dever-ser e esta pressupõe a liberdade entre ser e não-ser. Pois, a consciência apreende a contingência do ser e do dever-ser. Ora, isto é relevante para minha própria existência, pois preciso compreender meu modo de agir e o modo de agir dos outros. Preciso compreender a necessidade e natureza das prescrições éticas da conduta moral humana.

Também julgo necessário esta reflexão pois até mesmo a atividade científica é afetada por esta distinção entre ideal e real. Vive-se numa época de grande avanço tecnológico, graças ao sucesso prático da ciência contemporânea. Porém, até que ponto posso atribuir valor universalizante às proposições científicas? Até que ponto a existência deve ser compreendida por meio da essência? Qual a base lógica para se afirmar a precedência da essência determinada em relação à existência temporal? Na minha opinião, estas respostas são decisivas para uma avaliação do discurso humano.

Concluindo, hoje, tomei esta decisão: distinguir no ser o ideal do real e investigar a relação mútua entre os dois aspectos.

Os Limites das Ciências Experimentais

Falarei especificamente das ciências experimentais. Pode-se levantar vários questionamentos racionais quanto àquilo que se diz ciência experimental. Porém, é importante distinguir elementos negativos e positivos da mesma. A ciência experimental realmente traz algum conhecimento ao homem, mas este conhecimento só tem valor prático e imediato. Até agora não fui convencido de que do ponto de vista teórico a ciência não é apenas racionalização (idealização) do real.

Um problema que aponto (posso apontar vários) é de ordem metodológica. O homem da ciência experimental pode cometer o erro de pensar que o raciocínio indutivo, utilizado no método, imediatamente pode garantir a universalidade de suas proposições conclusivas. Não se pode deixar de ter em mente que logicamente falando a conclusão de um raciocínio indutivo não se infere imediatamente das premissas dadas, como é o caso do argumento dedutivo. O que acontece é um salto irracional (sem razão suficiente).

Toda ciência que tem em seu método específico o elemento do raciocínio indutivo é produto de uma atividade humana histórica. Logo, é uma atividade existencial e se subordina a um tempo e espaço determinado. Neste caso o homem constrói seu conhecimento a partir de sua experiência tempo-espacial.

Qual é o problema disto: Ora, se é existencial, o conteúdo do conhecimento é conteúdo histórico. Isto faz com que ciências experimentais saltem do contingente (acidental) para o necessário (essencial). Lessing, pensador iluminista, colocou este problema como uma assertiva: "as verdades acidentais da história nunca podem tornar-se a prova das verdades necessárias da razão" (com isto combatia a idéia de uma teologia essencial cristã fundamentada em eventos históricos). Aqui eu amplio a extensão desta idéia, não a deixando limitada somente à teologia, mas agora também, às ciências experimentais. Outra crítica, quase semelhante é de Hume, que atacou radicalmente a universalidade das conclusões de raciocínios indutivos que se fundamentavam na relação causa-efeito, que para ele não é aprrendida na experiência e funda-se no hábito. É claro que surge Kant, que assegurou a validade universal destas conclusões por meio de uma dicotomia entre o real (númeno) e o fenomenal (fenômeno), fundando a certeza no próprio sujeito, separando assim o mesmo do objeto. Porém, sua solução fez com que a ciência se tornasse uma racionalização do real, muito mais do que uma descrição e explicação.

Diante disto, para os que admitem a universalidade das teorias da ciência experimental e até mesmo das "leis naturais" fica o desafio: Como é possível atribuir validade universal ao juízo sintético a priori sem incorrer em idealismo (fuga da realidade)? Ou em outras palavras: como chegar às verdades necessárias da essência com base em verdades acidentais da existência sem o salto da fé?.

O Salto de Fé nas Ciências

De modo geral, conforme a lógica, o cientista é alguém que procura descobrir verdades gerais, de que os fatos particulares são exemplos e para as quais constituem provas. Não se limita somente a querer descrever fatos isolados e apreendidos pelo entendimento, que neste caso são os juízos sintéticos a posteriori. Sua intenção é explicar por meio de uma teoria os fatos naturais. Uma explicação é "um grupo de enunciados ou um relato de que a coisa a ser explicada pode ser logicamente inferida, e cuja postulação diminui ou elimina o seu caráter problemático ou desconcertante." (COPI, I. Introdução à Lógica, p. 380).


É comum distinguir-se as explicações científicas das não-científicas. Porém, do ponto de vista puramente racional "poucas proposições da ciência são diretamente verificáveis como verdadeiras. De fato, nenhuma das mais importantes o é. Na sua maior parte, referem-se a entidades inobserváveis, como moléculas, átomos, eléctrons, prótons e outras semelhantes. Portanto, o requisito de verdade não é diretamente aplicável à maioria das explicações científicas."


A diferença entre explicações científicas e não-científicas (mitos, fantasias, crenças teológicas) consistem em dois pontos: relevância e verificação indireta. Pelo primeiro critério: é científica toda explicação que está relacionada diretamente com o fato que deseja explicar. No entanto, explicações não-científicas também são relevantes na maioria das vezes.


Pelo, segundo critério, é científica toda explicação em que se pode deduzir da proposição teórica outras proposições que podem ser verificadas empiricamente para provar indiretamente uma explicação teórica. Porém, pelas leis fundamentais da lógica formal (princípio da identidade, princípio da não-contradição, princípio do terceiro excluído e princípio da razão suficiente) a conclusão de um raciocínio que usa a verificação indireta não se funda num raciocínio válido, pois a mesma não infere-se imediatamente das premissas. É necessário a pressuposição de outras premissas ocultas não verificáveis.


Portanto, diante destas diferenças é importante notar que do ponto de vista puramente racional uma teoria científica não difere muito de uma teoria não-científica quando o critério posto é o da verdade. A ciência não afirma a veracidade de suas teorias, pelo contrário se porta abertamente para novas teorias mais relevantes e mais abrangentes.


É neste ponto, que quero chegar. Uma explicação científica também faz uso de um salto de fé. Dependendo da abrangência de suas explicações este salto de fé aproxima-se muito dos que são dados pelas explicações não-científicas. Exemplos destes são as teorias sobre eventos passados bem remotos como a origem do universo e origem da vida na terra. Por mais que estas teorias sejam relevantes e tenham algumas provas indiretas a seu favor, as probabilidades de estarem erradas são infinitamente maiores do que as probabilidades de estarem corretas. E nisto então não se distingue muito de crenças e mitos, do ponto de vista qualitativo.


Kierkegaard foi um pensador muito relevante, pois refletiu sobre o que é interessante para a existência. Uma das categorias mais importantes de seu pensamento é a fé. Para ele, fé (incerteza objetiva) opõe-se diretamente à certeza objetiva. Quanto mais absurdo é o conteúdo da fé mais forte e apaixonante ela é. Quanto mais incerta melhor. Quanto mais certa objetivamente menos valor ela tem. O cristão explica o mundo pela fé. E isto é normal, visto que fala sobre assuntos dos quais a ciência não tem muita vantagem também. Analisando objetivamente teorias tais como o Big Bang e da Evolução, pelos critérios da relevância e da verificação empírica indireta, as mesmas não exigem menos da fé do que as teorias do Criacionismo e Design Inteligente. É um ato ingênuo e temeroso querer explicar a existência cientificamente de modo objetivo, pois a existência em si é subjetiva. Neste caso a verdade é subjetividade.

Sobre os Conceitos Gerais

Analisando dialeticamente o conceito geral, ele é um conceito que traz, em si, uma oposição interna, em sua compreensão dos caracteres de determinado objeto de conhecimento. Ou seja, o geral sintetiza elementos opostos entre si, afirmando suas semelhanças e negando suas diferenças.
Assim, quanto maior a extensão de uma idéia ou conceito, maior será o esforço de síntese e maior será a oposição interna. Diante disto quanto mais concreto for um conceito mais próximo da realidade em si ele estará, embora, esta, a nível radical, está separada de nós, visto que como consciência sempre nos colocamos como complemento ou negação da realidade em si.
Portanto, aquele que, em seus julgamentos, usa atributos ou termos gerais, emite juízos paradoxais constantemente, inadequados para a existência espaço-temporal da vida.

Dado o conceito de amor, na acepção do Eros grego, no sentido daquilo que atraí a atenção de nossa consciência. Dentro de uma perspectiva dialética, existencialmente falando, se você amar um todo universal, você acaba por chegar num ponto de equilíbrio no qual não amará nada em particular, existencialmente falando.
Porque dentro da compreensão do todo, cada elemento individual (em particular) é complementado pela sua negação. Deste modo, se amo o todo, amo tanto o ser como o não-ser (dentro da perspectiva do particular). E quando amo um ser em particular, não-amo o não-ser de outros em particular, e vice-versa. E a razão é haver uma oposição entre o ser e o não-ser dos particulares dentro do todo. Logo se eu amo o todo, meu amor sofre uma tensão, na qual o que resultará será um equilíbrio e uma paralisia de ação.
Deste modo, como exemplo podemos dizer que quem ama a humanidade como um todo, não poderá amar existencialmente qualquer individuo particular. Pois ao amar o individuo particular, eu acabo sacrificando o interesse do todo, visto que o ser do individuo particular está em oposição ao seu não-ser (dos outros indivíduos em particular), que estão em complemento no todo.
Ignorar isto, implica correr o risco de ser idealista (a buscar soluções idealistas), prenhe de sonhos que não se concretizam na existência, justamente porque estes não atingem a realidade concreta da existência. O amor, ou qualquer ação, à totalidade gera idealistas.

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Percebi que meu pensamento sofreu alterações durante o período que sucedeu a minha primeira postagem sobre o assunto. Esta alteração se deu através de um movimento dialético de minhas reflexões.
Estava à pensar que não somente os conceitos gerais são inadequados, mas, que até, mesmo, os ditos conceitos "concretos", nada mais são do que racionalizações da irracionalidade da existência espaço-temporal. Estou chegando à conclusão de que em vez de dizermos "eu tenho uma representação do real", deveríamos dizer "eu tenho uma representação que tende ao real".
Nosso contato com o real é sempre mediato, nunca imediato. Nossa representação mais próxima do "real" é somente um tangenciar o "real". Apreendemos nossa existência numa eterna temporalidade, de um modo sempre pontual. Enquanto sujeitos intelectuais, somos, então, como uma reta que tangencia o círculo da existência que gira mecanicamente no fluir do tempo-espaço. E dentro desta nova perspectiva (que em breve se tornará ultrapassada) os conceitos gerais são, então, afastamentos do ponto de tangência da realidade-existêncial.
Poderíamos, então, classificar os conceitos gerais de acordo com os vários graus de distanciamento da existência. Quanto mais distantes do ponto de encontro, mais elementos paradoxais, neles, são compreendidos.
Poderia resumir numa linguagem mais simples da seguinte maneira: Nunca conversamos com o Real, sempre ouvimos falar dele, rs! Ou seja, temos, fé no real! Poderiamos dizer, de outro modo, que somos como Tântalo no Tártaro, pois temos uma ardente fome pelo real. O mesmo encontra-se ao nosso alcance. Porém, ao tentar tocá-lo, o mesmo foge de nós, eternamente.
Por fim, esta própria postagem, tende a não ser mais meu pensamento à medida que o tempo for passando. Posso dizer que este pensamento tangenciou a "realidade" depreendida por mim. Nossos conceitos são como um ponteiro de um relógio, onde quem roda é o relógio, e o que fica fixo é o ponteiro, rs! Este ponteiro aponta para o ponto de encontro, entre nossa consciência e a "realidade"!

Profetas da Finidade e da Secularidade!

"Na pretensa dualidade,
Um profeta que emerge na face negativa da secularidade,
de modo algum, será distinto
do que emerge sob a face positiva da finita religiosidade.

Está preso sob as amarras dos lugares comuns
e nunca nos lugares incomuns apoiará!
Por isto, suas bases de apoio
são as mesmas bases da oposição,
porém, somente os seus ouvem a sua voz!
Os sem fé, de modo algum a perceberão!

Quanto à mensagem oracular,
é uma mensagem que tende a se tornar ídolo.
E como ídolo, mentes simples a ele convergirão,
para com devoção cega se consagrar!

Porém, um ídolo traz em si elementos temporais e espaciais!
Um ídolo longe está do Ser que não é ser.
Que ao contrário não se prende em definições e critérios humanos.
Nem se deixa prender no tempo e no espaço.

O ídolo é adorado nos céus,
reverenciado nos mares ou
temido nas regiões inferiores.
Todos à merce de Moira! Mãe de todos eles.

Quanto a mim ignoro os Oráculos dos Ídolos!
Pois, quem fala é o próprio ser finitizado!"

Johannes de Silentio, in Extremus de Ratione, in Esse, est finitu et infinitu, est temporale et aeternu, est existentia et essentia.

Goiânia