13 de junho de 2008

A Beleza Particular e a Beleza Geral

Estava analisando meus sentimentos estéticos e percebi algo interessante, um pouco que constante em meus juízos estéticos: a distinção entre a beleza particular, individual e a beleza geral, coletiva.

Digamos, vou numa loja de sapatos, vejo inúmeros sapatos juntos, aquela visão é esplendorosa, enche de gozo os nossos sentidos. É preciso escolher um. É preciso saber qual daqueles será o sapato que mais agradou. Depois de muita dúvida, então escolhe-se um, que se julga belo. Quando aquele um é tirado do meio dos outros sapatos, ele de alguma forma perde a beleza e o encanto.

Outro exemplo, digamos que exista um grupo com sete mulheres, três super formosas, lindas, jovens, sorridentes. Outras duas nem tão formosas e não tão inestéticas. E por fim, duas que estão desprovidas de uma beleza natural, conforme os padrões sociais. Não importa, todas elas tornam-se belas, o conjunto de todas elas causam um impacto muito forte no juízo estético. Até mesmos as não tão belas, tornam-se belas. Porém, mesmo a mais bela das sete, vista isoladamente perde todo esplendor da beleza.

E assim, parece ser com tudo. Tudo o que isolamos, mesmo que seja muito belo, parece perder o efeito.

Bom, é assim, que tem funcionado meus juízos estéticos. De modo que parece ser impossível amar o belo particularmente de modo absoluto, ou seja, como amar somente uma coisa? Se cada ente particular traz em si uma beleza singular? Beleza esta que é realçada na generalidade? Ah, mais também como alguém finito pode amar tudo?

Penso ser este um dos maiores paradoxos estéticos do amor.

Oráculo

Em um beco escuro da Sé...a cara, certamente tinha mais maquiagem do que misticismo...começou me olhando com aquele olhar vulgar, de quem finge observar profundamente...deu mais um trago no cigarro:

- Então, vc é a Nil?

- É...pq? Sua bola de cristal tá quebrada hj?

(...pôs o cigarro de lado, sorriu)

- ..Não adivinho nomes, adivinho o futuro..

- Hum...e oq vê pra mim?

- Um portal mágico...

- Vc tá me achando com cara de idiota? (embora, eu mesma já estivesse me achando uma idiota por estar ali..)

- .Não não.. sua hostilidade transpira pelos seus póros...calma garota...olha, é engraçado alguém acreditar em cartomante, e não acreditar em portais mágicos...

- Bom...deve ser pq já vi trocentas cartomantes..mas, nunca vi um portal mágico...tudo bem, reconheço que acho besta acreditar que vc possa me dizer algo de útil....mas, sei lá, somos cheios de esperanças estúpidas o tempo todo...explica aí a história da porra do portal...

- To falando do portal mágico da insanidade...que sempre esteve aberto pra você...tô vendo aqui que ele vai se fechar...e logo..

- .... O portal vai se fechar...sim, faz muito sentido..(ia me levantando da cadeira, puta por perder dez contos com aquilo)

- Sente-se Nil!...(soou tão imperativo, que quase automaticamente, me sentei...mas, a verdadeira razão de haver me sentado, estava oculta diante disso..eu queria, precisava ficar...e ouvir até o final)...

- Sabemos bem do que estou falando...chegou o momento de decidir, se vc vai adentrar ou não...

De repente, em meio à fumaça do cigarro, abriu-se um portal enorme em minha frente...já não havia mais cartomante, nem sé, baralho ou bola de cristal...tremi...por um instante, foi como se incoscientemente, meu corpo estivesse sendo puxado pela fumaça......puxado...e cada vez mais intensamente...

...............

Acordei naquele corpo estranho....traguei amargamente o cigarro manchado com meu batom vermelho... e pedi que entrasse a próxima cliente....

Nil Resende.

A impossibilidade da repetição na realidade

O texto abaixo é um depoimento de um amigo meu, que admiro muito, João Batista, sobre um texto que eu tinha escrito, que nem mais sei se existe. Pesquisando no Google sobre Kierkegaard, acabei encontrando este depoimento, feito algum tempo atrás, quando utilizava o pseudônimo Johannes de Silentio:


"Caríssimo Johannes de Silentio (João do Silêncio), você, nesta sua belíssima e competentíssima repetição imanente, e recorrente, inclusive na pseudonímia, nos oferece um pequeno texto de Kierkegaard, onde o filósofo dinamarquês (e quero aqui deixar claro que dele conheço apenas o superficial, portanto, desde logo, sugiro que releve a minha incompetência) desenvolve um discurso já traçado desde os seus primórdios, desde o relacionamento com o seu pai, que fora talvez(?) o seu maior ídolo, e onde acredito esteja a fonte antropológica do pensamento kierkegaardiano, mas que ao mesmo tempo construíra no jovem Sören Aabye Kirkegaard marca indelével: a “melancolia”, o “fracasso” e, por fim o seu “calvário”. Em razão disso e em função do meu pouco conhecimento a respeito deste filósofo, penso (e isto em mim é uma convicção) ser imprescindível entendê-lo “somente” a partir dessa tríade dialógica da repetição da realidade de si. Sendo, pois, este, um conceito “exageradamente pessoal”, não merecerá, portanto, de você, assim espero, que é um estudioso de Kirkegaard, uma crítica severa sem antes entender essa minha limitação.

Curiosamente a obra de Kirkegaard surge sob o manto de indagações pessoais que buscavam um tipo de significado de “idéia de apropriação”. Veja, por exemplo, sua afirmação: “Trata-se de encontrar uma verdade que seja verdade para mim, de encontrar a idéia pela qual quero viver e morrer” (Papier, I, A, p. 75). Suas principais indagações eram: “Como assumir um cristianismo herdado do pai “melancólico”? Como superar os resíduos existenciais de um noivado fracassado? Como compreender o sofrimento como um bem para o indivíduo?”. Finalmente ele sintetiza todas essas hipóteses numa única: “Como compreender-se na existência?”.

Acredito, assim, que toda a estrutura do pensamento filosófico do dinamarquês se finda nesta síntese. Mas é interessante perceber que é a partir desta síntese que Kirkegaard desenvolve, sobretudo com “Climacus”, em “O Conceito de Ironia Constantemente referido a Sócrates”, todo um conjunto ideográfico da ironia que o perseguirá enunciando [repetições imanentes] em toda sua obra, isto é, construindo e desconstruíndo repetições dentro da dualidade dialógica do ser possível e impossível dentro de uma repetição da realidade de si e do ser-aí. Não seria isso, pois, uma terrível ironia de possbilidades e impossibilidades de realidades latentes e dadas? Não sei bem explicar isso, confesso-o humildemente, mas penso que sim, a partir do impacto que me causa todo o pensamento de Kirkegaard.

Agrada-me contudo tentar entendê-lo, tomando como referência o texto por você mencionado, a partir da consciência ou conscientização da existência do real ou da realidade, onde se revelaria a dupla ironia do interior “X” exterior ou da subjetividade “X” objetividade. A isso, Kierkegaard, destacou como sendo um verdadeiro “salto” para o confronto ou a confrontação, num contraste evidente ao pensamento hegeliano de “mediação”. Ou seja: a realidade consciente ou a consciência da realidade só ocorre no instante do confronto, que, para o filósofo, era a total libertação, a “escada para o paraíso”, e tudo isso dentro de um método onde o fora e o dentro se interrelacionam num processo de constante mutualidade imanente.

Finalizando: quero crer que Kierkegaard, e assim o entendo, sugere que todo ato de consciência é um ato de revolução ou um estádio revolucionário, de confronto evidente, sem o qual não há espaço para o “salto”, isto é para a libertação. (Neste ponto vejo um determinado tipo de proximidade com o pensamento de Marx, o que não vem ao caso neste momento). Isto significaria dizer que ao tomar consciência de uma realidade externa crio uma nova realidade interna que vai naturalmente levar ao confronto e, de alguma maneira, dar um “salto” em direção à liberdade, que pode ocorrer no exterior ou no interior, no subjetivo ou na objetividade. A essa teorematização representacional tento definir como sendo uma metalinguagem da existência.

E para definitivamente terminar esta minha intervenção deixo aqui uma pergunta múltipla multifacetada no contexto irônico do próprio Kierkegaard:

- Não seria você, juntamente com sua pseudonímia, a consciente repetição da realidade do pensamento de Kierkegaard? Não estariam, aí, instaladas, tanto a possibilidade quanto a impossibilidade dessa existência recorrente ou repetitiva do pensamento kierkegaardiano? Não seria isso uma tipologia de conscientização, e de confronto, para dar um salto para uma tipologia de libertação, para tentar assenhorear-se de uma tipologia de propriedade de conhecimentos e de saberes?"

Publicado no Blog de João Batista

Goiânia