15 de agosto de 2008

Claustrofobia da Subjetividade

Sou um claustrofóbico. Sim, tenho pavor de ficar preso em lugares fechados. Lembro quando criança, numa brincadeira junto com meus primos, quando minha tia trancou-me dentro de uma geladeira velha. Era uma brincadeira, mas para mim foi apavorante. A sensação de pânico invade o ser. Toda racionalidade dissipa-se do pensamento. A imaginação prevalece. A angústia faz-me sofrer antecipadamente pela falta de ar. O ser quer literalmente explodir. Experimentar a claustrofobia é como estar no Tártaro, fazendo companhia a Tântalo, Ixíon e Sísifo. Pois é um sofrer sem morrer.

Mas, posso dizer que experimento outro tipo de claustrofobia. A claustrofobia da subjetividade. Só a sinto quando apercebo-me de que vivo numa prisão, de todas as prisões a mais hermética: a prisão da subjetividade. A subjetividade é uma prisão hermeticamente hermética. Não há qualquer possibilidade de passagem de ar. Não há portas. Não há janelas. Não há orifícios. Suas paredes são extremamente e puramente e perfeitamente sólidas. Imaginar isto causa claustrofobia existencial.

Todo homem nasce dentro dela e dela jamais pode sair. Ela é transparente, feita de vidros. Graças a isto pode-se ter uma visão objetiva. Isto é paradoxal. Mas, a transparência da subjetividade permite ver o que há do lado de fora. Não do lado de fora de si mesmo, mas o exterior do outro que aparece dentro da própria subjetividade: o fora dentro de si. O subjetivo compreende e abarca o objetivo. O homem vê aquilo que está além da prisão, porém raras vezes apercebe-se que está preso dentro de si mesmo.

A objetividade é uma ilusão. Tudo quanto está ao meu redor é visto pelas vidraças da subjetividade. Experimento o mundo e as pessoas, ora pela percepção, ora pela imaginação e ora pela concepção. Mas, sempre pela subjetividade, tudo passa pelo crivo do Cogito, do Eu Penso. As paredes de vidro indicam apenas a transcendência do mundo.

Assisti um filme de Todd Field, Little Children, onde ele consegue captar bem o sentido destas prisões. E nada melhor para perceber o quanto o homem é preso em sua própria subjetividade do que observá-lo de "fora", com uma visão "objetiva", colocando-se como um personagem onipresente observando o passado, presente e futuro do outro. E vendo o quanto a imaginação e a fantasia do homem determina-lhe o seu comportamento. Na subjetividade o homem imagina uma realidade vendo então caracteres ilusórios naquilo e naqueles com quem se relaciona. É, é mais fácil ver a ilusão alheia do que a própria. Mas, não seria a idéia de observador uma mera ilusão?

Então, quando apercebo-me de minha prisão subjetiva, já não sei mais o que é real e o que é imaginação. E deter a atenção muito tempo nisto, causa-me claustrofobia existencial. Estou preso em minha própria subjetividade. Isto sufoca-me. Como distinguir a realidade da fantasia ... Platão usou a alegoria da caverna, dela se pode sair. Mas da prisão hermética, sem portas e janelas, quem poderá sair?

Johannes Climacus!

1 de agosto de 2008

Filósofo: Um Midas com o Toque da Razão

Conta-se uma lenda, entre os gregos antigos, de um rei, chamado Midas, que agradou por seus gestos de caridade o deus Baco. Midas havia acolhido e cuidado de Sileno, que segundo os poetas, foi mestre e pai de criação desta divindade. Baco, por meio de Sileno, concedeu-lhe realizar um desejo de sua escolha, qualquer um que fosse. Midas não hesitou e logo pediu que lhe fosse concedido o poder de transformar em ouro tudo o que ele tocasse com a mão. Mesmo reconhecendo a tolice do pedido, Sileno atendeu-lhe.

Midas tocou um ramo de árvore e este transformou-se em ouro. Ficou feliz e entusiasmado, voltando-se para o palácio, tocou as portas e estas também se tornaram em ouro. E assim, ele foi transformando tudo o que tocava. E gostou muito disto. Porém, sentiu fome e ao pegar um pedaço de carne, o mesmo também, tornou-se ouro, o mesmo aconteceu com o vinho e a taça que ele segurava. Infeliz, teve que voltar atrás e pedir para que o poder lhe fosse tirado, pois caso contrário ele iria morrer de fome.

Midas, Midas! De uma alegria extrema para uma situação infeliz! Eis o que acontece também com o Filósofo, que eu diria ser um tipo de Rei Midas, que em vez de transformar em ouro as coisas que toca, transforma em essências tudo aquilo que pensa. Eis o toque da razão, o toque que transforma a existência em essência, que transforma o subjetivo em objetivo, o todo em dualidade de sujeito e objeto.

Há coisas que pensadas em suas essências trazem grandes benefícios, como acontece por exemplo no pensar abstrato da matemática. Porém, quando se procura transformar em essências aquilo que só faz sentido na existência, o filósofo morre de inanição de experiência. Na vida do homem as coisas da existência vem antes das essências e por isto não se pode querer racionalizá-las. O prazer de comer um pedaço de carne, o prazer de experimentar uma sensação no corpo, o prazer do beijo, o prazer de ouvir uma música, e tantas outras coisas, só podem ser vividas e compreendidas na existência. Se o Filósofo as toca com a razão, elas se transformam em algo diferente e perdem seus efeitos, assim como Midas fazia ao tocar um alimento, que transformado em ouro, não poderia mais, satisfazê-lo.

Ah, a imagem do Filósofo é a imagem de um homem feliz que conseguiu o poder de transformar em essência tudo o que tocava com a razão. Porém, descobriu que transformar todos os mitos e as experiências da vida em explicações racionais não lhe pode fazer feliz. Eis a condição da existência humana, não há como sobreviver sendo apenas filósofo. E como canta Zé Ramalho:


"Foi um tempo que o tempo não esquece
Que os trovões eram roucos de se ouvir
Todo um céu começou a se abrir
Numa fenda de fogo que aparece
O poeta inicia sua prece
Ponteando em cordas e lamentos
Escrevendo seus novos mandamentos
Na fronteira de um mundo alucinado
Cavalgando em martelo agalopado
E viajando com loucos pensamentos

...

Pode ser que ninguém me compreenda
Quando digo que sou visionário
Pode a Bíblia ser um dicionário
Pode tudo ser uma refazenda
Mas a mente talvez não me atenda
Se eu quiser novamente retornar
Para um mundo de leis me obrigar
A lutar pelo erro do engano
Eu prefiro um galope soberano
A loucura do mundo me entregar"

Johannes Climacus

Goiânia