1 de agosto de 2008

Filósofo: Um Midas com o Toque da Razão

Conta-se uma lenda, entre os gregos antigos, de um rei, chamado Midas, que agradou por seus gestos de caridade o deus Baco. Midas havia acolhido e cuidado de Sileno, que segundo os poetas, foi mestre e pai de criação desta divindade. Baco, por meio de Sileno, concedeu-lhe realizar um desejo de sua escolha, qualquer um que fosse. Midas não hesitou e logo pediu que lhe fosse concedido o poder de transformar em ouro tudo o que ele tocasse com a mão. Mesmo reconhecendo a tolice do pedido, Sileno atendeu-lhe.

Midas tocou um ramo de árvore e este transformou-se em ouro. Ficou feliz e entusiasmado, voltando-se para o palácio, tocou as portas e estas também se tornaram em ouro. E assim, ele foi transformando tudo o que tocava. E gostou muito disto. Porém, sentiu fome e ao pegar um pedaço de carne, o mesmo também, tornou-se ouro, o mesmo aconteceu com o vinho e a taça que ele segurava. Infeliz, teve que voltar atrás e pedir para que o poder lhe fosse tirado, pois caso contrário ele iria morrer de fome.

Midas, Midas! De uma alegria extrema para uma situação infeliz! Eis o que acontece também com o Filósofo, que eu diria ser um tipo de Rei Midas, que em vez de transformar em ouro as coisas que toca, transforma em essências tudo aquilo que pensa. Eis o toque da razão, o toque que transforma a existência em essência, que transforma o subjetivo em objetivo, o todo em dualidade de sujeito e objeto.

Há coisas que pensadas em suas essências trazem grandes benefícios, como acontece por exemplo no pensar abstrato da matemática. Porém, quando se procura transformar em essências aquilo que só faz sentido na existência, o filósofo morre de inanição de experiência. Na vida do homem as coisas da existência vem antes das essências e por isto não se pode querer racionalizá-las. O prazer de comer um pedaço de carne, o prazer de experimentar uma sensação no corpo, o prazer do beijo, o prazer de ouvir uma música, e tantas outras coisas, só podem ser vividas e compreendidas na existência. Se o Filósofo as toca com a razão, elas se transformam em algo diferente e perdem seus efeitos, assim como Midas fazia ao tocar um alimento, que transformado em ouro, não poderia mais, satisfazê-lo.

Ah, a imagem do Filósofo é a imagem de um homem feliz que conseguiu o poder de transformar em essência tudo o que tocava com a razão. Porém, descobriu que transformar todos os mitos e as experiências da vida em explicações racionais não lhe pode fazer feliz. Eis a condição da existência humana, não há como sobreviver sendo apenas filósofo. E como canta Zé Ramalho:


"Foi um tempo que o tempo não esquece
Que os trovões eram roucos de se ouvir
Todo um céu começou a se abrir
Numa fenda de fogo que aparece
O poeta inicia sua prece
Ponteando em cordas e lamentos
Escrevendo seus novos mandamentos
Na fronteira de um mundo alucinado
Cavalgando em martelo agalopado
E viajando com loucos pensamentos

...

Pode ser que ninguém me compreenda
Quando digo que sou visionário
Pode a Bíblia ser um dicionário
Pode tudo ser uma refazenda
Mas a mente talvez não me atenda
Se eu quiser novamente retornar
Para um mundo de leis me obrigar
A lutar pelo erro do engano
Eu prefiro um galope soberano
A loucura do mundo me entregar"

Johannes Climacus

Um comentário:

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

Gostei muitíssimo!
Que bacana essa tênue diferença entre essência e existência.
A propósito, adoro Zé Ramalho! =)

Abraço!


Goiânia